"Décadence avec Elégance"

Diferentes consciências de tempo se desenvolveram nas diferentes épocas históricas; entretanto, a mais bela talvez seja aquela apresentada por Charles Baudelaire, em meados do século XIX. Seus escritos nos professam uma inadiável paixão pelo presente, pelo burburinho ondulante e fugidio da Paris daqueles dias. Seu herói é um vagante que, em suas errâncias pelas mil estradas do mundo, observa, vê e sente a tudo e a todos. Como um "eu insaciável do não-eu", esse flâneur segue a sua marcha, a desvendar os fascinantes mistérios da vida. Como um espelho a se multiplicar em sombras e reflexos da multidão, ele não está em busca de nenhuma verdade; como o próprio Baudelaire, ele sabe que somente a mentira estética é capaz de revelar a verdade humana. Como Wilde, Rimbaud e outros dândis e decadentes que desfilaram pela Europa no século que viu surgir a Modernidade, esse personagem busca ardentemente beauté et elégance (ou seria, décadence avec elégance?).

Mas, não sabia ele que outros viriam a multiplicar aquilo que já era numeroso, fixando sua sede não mais no seu próprio tempo, mas na idéia de uma nova temporalidade, que intersecciona tempos, espaços e lugares... Que faz coincidir o passado e o presente transformado em moderno, contemporâneo, "futurista", ou então, atemporal. É o que podemos observar nas enigmáticas imagens de K. Patrício.

À maneira dessas personas oitocentistas, o jovem artista mineiro busca um modo próprio dos nossos dias, não menos apaixonado, para observar o nosso próprio tempo, as nossas cidades, as nossas almas. Suas imagens em preto e branco, aludem à perda das ilusões que um dia identificaram a arte à idéia do novo, do progresso, da superação, ou de algo elevado. Elas não se propõem a falar do que não foi dito, mas em redizer o possível -- que inclui o misterioso e o fantástico tanto quanto o ambíguo. Ele também é um amante do espelho, porém -- diferentemente de "narcisos" ou "alices" --, atravessando-o, passa a refletir em si mesmo o mundo à sua volta.

Inspiradas no universo das histórias em quadrinhos e do mangá japonês tanto quanto na arte egípcia e no art nouveau de Gustav Klimt, as obras de K. Patrício misturam cultura de massa e cultura erudita, numa indiscriminada hibridização de tempos, estilos, meios, formas -- característica marcante da chamada "arte contemporânea". Seu clima tanto pode ser o dos filmes noir quanto os de "classe B", bem como os filmes do expressionismo alemão. São imagens misteriosas, de um erotismo ambíguo, andrógino, que aludem à falta de certezas do nosso tempo. São imagens hedonistas, narcisistas, mas cujo glamour deixa entrever o cheiro de um pouco de vinho, óleo, terra e lama por trás dos trajes impecáveis.

Quase-fotografias, imagens instantâneas, passado, presente e futuro: eis aqui um repertório de proposições artísticas que postulam uma reconciliação do homem com o seu tempo, nas palavras de Octavio Paz, "uma imaginação encarnada num agora sem datas".

Luiz Flávio

2006/2007, Vitória – ES: Individual “Reflexos” - Fernando Neyder, Escritório de Arte Contemporânea

Sem Título
Sem Título


Detalhe ampliado

Sem Título
Sem Título
Sem Título
Sem Título
Sem TítuloSem Título
Detalhe ampliado


Detalhe ampliado

Sem Título


Sem Título


Detalhe ampliado



“"Décadence avec Elégance"

Different awareness and conceptions of time were developed throughout different historic eras; however, the most fascinating was, perhaps, the one presented by Charles Baudelaire during the XIX century. His writings profess us a pressing passion for the present, for the waving and evanescent murmur of those days in Paris. His hero is a vagrant who, in his erratic journey through the thousand roads of the world, observes, sees and feels everything and everyone. As an “insatiable Self of the Non-Self”, this flâneur goes on with his march, unveiling the fascinating mysteries of life. As a mirror multiplying itself as shadows and reflections of the multitude, he is not searching any truth; as Baudelaire himself, he knows that only the aesthetic lie is capable to reveal the human truth. As Wilde, Rimbaud and other dandies and decadents who paraded Europe in the century that watched the birth of Modernity, this character looks ardently for beauté et elégance (or would it be, décadence avec elégance?).

But, he did not know that others would multiply what was already numerous, fixating his thirst not only in his own time, but in the idea of a new temporality, which intersects times, spaces and places… This makes past and present transformed into modern, contemporary, “futuristic”, or even timeless. That is what we can see on the enigmatic images of K. Patrício.

As all these eighteen century personas, this young artist from Minas Gerais looks for a contemporary way, not less passionate, to observe our own time, our cities, our souls. His black and white images allude to the loss of illusions which one day identified art with the idea of the new, the progress, and the improvement or of something more dignified. These images do not aim to say what have not been said, but to say again what is possible– which includes the mysterious and the fantastic as well as the ambiguous. He is also a mirror lover, however __ different from the “narcisses” and the “alices”__ he crosses its boundaries, reflecting in himself the world around him.

Inspired by the comics and the Japanese manga universe, as well as by the Egyptian art and Gustav Klint’s art nouveau, K. Patrício pieces mix mass culture and erudite culture, in an indiscriminate hybridization of times, styles, ways, forms __ the most definitive mark of the so called “contemporary art”. Its atmosphere could not only be from the noir movies but also the “B movies,” as well as the German expressionism movies. They are mysterious images, of an ambiguous and androgynous eroticism, which allude to the lack of certainties of our time. They are hedonistic, narcissistic images, but whose glamour allows us to catch a glimpse of an aroma of a little wine, oil, dirt and mud behind impeccable garments.

Almost-pictures, instantaneous images, past, present and future: here is a repertoire of artistic propositions which postulate a reconciliation of man with his time, as in Octavio Paz words, “an incarnate imagination with a timeless now”.

Luiz Flávio
The Contemporary Artist Luiz Flávio is graduated in Fine Arts from EBA-UFMG (Fine Arts School of the Federal University of Minas Gerais Satate) and Academic Art Teacher at Guingnard Art School of the Minas Gerais State University – UEMG.

2006, Belo Horizonte – MG: “A Casa dos Espelhos” – Celma Albuquerque Galeria de Arte.






"Dressed To Kiss": 100cm x 200cm

2006, Belo Horizonte – MG: “A Casa dos Espelhos” – Celma Albuquerque Galeria de Arte.







Sem título:



2006, Belo Horizonte – MG: “A Casa dos Espelhos” – Celma Albuquerque Galeria de Arte.

Objeto De Parede; Sem título: 215cm x 160cm

Detalhe ampliado

Detalhe ampliado

Detalhe ampliado






A CASA DOS ESPELHOS OU SEIS ARTISTAS À PROCURA DE UM ESPECTADOR


... a vida é cheia de infinitos absurdos, os quais, descaradamente, nem ao menos têm
necessidade de parecer verossímeis. (...) Porque esses absurdos são verdadeiros.
[LUGI PIRANDELLO, Seis personagens à procura de um autor, 1921]


Logo na entrada, uma cama, que parece ter saído de um filme surrealista, multiplica vozes e sombras. Ao seu lado, duas cadeiras dão-se as mãos, prometendo aconchego. Depois delas, três mesas: as vitrines nos vendo passar na galeria. A seqüência é interrompida no grande salão por uma série de pequenas caixas em prateleiras, os letreiros a nos colorir... Embaraçando a nossa visão, quadros nas paredes, desenhos, pinturas e objetos domésticos diversos solicitam recombinações possíveis. Mais adiante, como que a formar um papel de parede em branco e preto, fragmentos de imagens e textos observam imóveis outras imagens e números aprisionados em relógios de paredes, que (de-)marcam uma arquitetura do tempo perdido... Há ainda os banheiros, repletos de anúncios como aqueles publicados nos jornais, fechando o salão e nos convidando a uma experiência de intimidade.
Ao passarmos em exposição, como que embalados pelo som de uma conhecida música, eis a imagem refletida nos nossos olhos: uma estranha galeria de espelhos da casa! Nesse lugar a partir do qual tudo se funde e confunde ― a casa, cuja polissemia vai do substantivo ao verbo ―, as conexões que se estabelecem entre os pares nem sempre deixam de ser complexas.
Constituição de uma instância e de um lugar, habitação de pessoas e coisas, de objetos e afetos, moradores e hóspedes, a casa é o espaço onde se revolvem hábitos, vivências, tempos, histórias. As residências particulares foram os primeiros domicílios das coleções, dos museus e, de acordo com Jacques Derrida, dos arquivos, antes da “passagem institucional do privado ao público”. O filósofo observa ainda que nestas domiciliações se concentravam as funções de unificar, identificar, classificar, interpretar e consignar elementos heterogêneos; entretanto, consignar significa também, para além do seu sentido corrente, reunir os signos.
Desse modo, a galeria de arte como agente institucional e consignador do produto estético, também descende da casa. Ao reunir numa galeria uma coleção de signos que remetem à casa, os artistas aqui apresentados promovem o espelhamento dessa genealogia e potencializam os sentidos de suas obras. O que estimulará o espectador mais atento a buscar relações entre os trabalhos e o próprio espaço expositivo, não apenas na sua condição topológica como também na sua dimensão simbólica. São exemplares desse procedimento as instalações de Alan Fontes, Joana de Holanda e Rafael Soares.
A idéia de consignação está presente também, de diferentes maneiras, em todos os artistas dessa mostra ― que se apropriam e reúnem imagens e formas do seu tempo e de outros, movimentando memórias para fazer falar ao outro aquilo que lhes é íntimo, pessoal, secreto ― e, de forma mais evidente, nas obras de" Patrício ", Marco Antônio Poubel e Rodrigo Mogiz. Pois que consignar, na prática artística contemporânea, não é apenas manipular e fazer coincidir signos dispersos ou estabelecer associações de qualquer tipo, mas uma ação por novas temporalidades, pelo encantamento do outro olhar, pelo encontro do eu com o mundo.
Parodiando os personagens da famosa peça teatral de Pirandello acima citada, os seis artistas que aqui fizeram morada estão à procura de um espectador-autor – ou seria um hóspede? --, pronto a refletir e deixar-se refletir nessa casa de múltiplos espelhos.


LUIZ FLÁVIO
Artista e professor em cursos de pós-graduação
na PUC-Minas e Escola Guignard/UEMG.





2006, Belo Horizonte – MG: “A Casa dos Espelhos” – Celma Albuquerque Galeria de Arte.



"Vestido De Ouro De Um Sol De Verão"

Instalação: cama com espelho d'agua, rádio automotivo ("Roadstar") e trilha sonora.




Medo de aparelho, de paralisia infantil, de escola de padre, de casa mal assombrada, medo de ver poças de sangue. Nos fundos da chácara as crianças construiram um cemitério de animais com carpideiras.
Quando fomos vender a chácara, os compradores tiveram medo também. Medo das cruzes no fundo. Medo de uma cama comprida que ficava lá também, no meio do mato, cheia de grades e grama crescendo.
E o medo ganhou tamanho natural, amarrado e recheado de espuma, pano e ar. Medo de olhar no buraco da fechadura e ver outro olho como sempre aconteceu.
Marta Neves

2006, Belo Horizonte - MG: “Arte no Banheiro” Circuito de intervenções.


Site-Specific Art: "Moi Non Plus"

Instalação Sonora-Visual-Olfativa
Banheiro masculino do:"Aconchego Da Floresta".

2006, Belo Horizonte - MG: "Arte No Banheiro"Circuito de intervenções.

Site-Specific art: "À Sombra Das Moças Em Flor"


Instalação Sonora-Visual-Olfativa.

Banheiro feminino do: "Aconhego DaFloresta"